Um lugar para o corpo, 2009

Um lugar para o corpo, 2009
Registro fotográfico a partir da performance.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Um desvio para novas conexões

A Teoria dos Atos de fala de Austin parte de uma idéia performativa da linguagem.  Foi por meio de seus estudos que foram detectados outros tipos de frases que denotam uma ação e não somente frases enunciativas que servem para descrever um estado de coisas, descrever o real. As frases enunciativas são frases que pairam sobre o crivo de serem verdadeiras ou falsas em suas proposições. Austin elucida, dizer é uma forma de agir sobre o interlocutor e sobre o mundo circundante.
Com relação aos enunciados performativos há de se considerar duas condições, do falante é necessária a autoridade de dizê-lo e também o contexto adequado para tanto. O exemplo mais simples que Austin expõe é o de um juiz que “Declara aberta a sessão” (Desse modo, declarar aberta a sessão não significa informar sobre o que ela consiste, mas é deliberar, é abrir efetivamente a sessão ao proferir tais palavras).  Porém, se o juiz se encontrar sozinho deitado em sua cama, as palavras não cumprirão seu desígnio. Em inglês o verbo to perform significa realizar, de onde vem o termo performativo. Nos estudos da lingüística pragmática, os enunciados performativos são ações que dependem do uso da linguagem. As palavras adquirem sentido a partir do momento em que se encontram num determinado contexto. São Jogos de linguagem, como se referiu Wittgenstein. Uma palavra em si não tem um significado fixo, seu sentido é escorregadio e varia de acordo com a relação entre outras palavras numa dada sentença, num determinado contexto. Uma frase performativa só alcança seu grau de realização sob condições de contexto específicas.
O maior problema dessas investigações está na impossibilidade de se considerar esse contexto de caráter heterogêneo, múltiplo e variável. Os fatores envolvidos no processo de linguagem que lidamos em nossa vida cotidiana permanecem indefinidos. Existe um mistério nas coisas sobre o qual não é possível falar. Com todo o progresso científico, ainda os problemas mais simples da vida não foram resolvidos. Há um mistério insondável que nos toca.
No entanto, somos participantes desse jogo de linguagem e lidamos o tempo todo com essa multiplicidade de sentidos que estão impregnados no mundo. Antes de ser nossa, a língua já existia num conjunto de relações determinadas pelo seu uso na sociedade. Aprendemos a participar do jogo e a criar conexões. Nossa fala é uma ressonância cultural. É possível dizer, minha fala não é minha. Usar a linguagem é ver conexões, no entanto esse “poder conectivo” é nossa própria cegueira.
Do que não se pode falar, deve-se calar”. Conclui Wittgenstein em seu Tratado Lógico Filosófico. Estou atrás de uma linguagem que comunique esse silêncio. Tenho por objetivo dar vida a uma linguagem que promova outras conexões. Conexões que modifiquem as já tão sedimentadas relações que estabelecemos com o mundo através de nossos hábitos adquiridos culturalmente, socialmente. O desvio traçado pela linguagem tem por objetivo tornar visível aquilo que não vemos, é uma tentativa de colocar questões que tenham como conseqüência a possibilidade de um novo olhar, uma nova lógica. Seria necessário desaprender, reformular. A tentativa de animar esse mundo e de promover um desvio para novas conexões é uma construção dentro de um repertório cultural, social e político específico. Minha intenção é falar da situação na qual nos encontramos em meio a um estado de coisas, um excesso de acontecimentos, informações, conteúdos, relações de diferentes ordens e da crescente perda das pessoas em encontrar meios que permitam exprimir, agenciar e interferir nessa dinâmica. Detectamos um estado de letargia generalizada. E uma carência de recursos que reformulem o que já se encontra estabelecido pelas relações de poder na sociedade.
E dentro desse quadro anestésico é possível delimitar o pensamento? Qual é o seu raio de atuação?
Para Wittgenstein “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo”. Isso significa que o que está fora da articulação da linguagem, não pode ser esclarecido. “O que não podemos pensar, não podemos pensar; portanto, tampouco podemos dizer o que não podemos pensar”. Essa é a mudez da linguagem. Até que ponto é possível dilatar esse limite, deslocar esses contextos, "perfurar" a linguagem, procurar nela conexões pouco prováveis ou que sejam suscetíveis de novas idéias, sensações? 
Segue um trecho de um texto do filósofo italiano Giorgio Agamben chamado “O Fim do Pensamento”:
“Em nossa língua, a palavra pensamento tem por origem o significado de angústia, de ímpeto ansioso, que se encontra ainda na expressão familiar: stare inpensiero (estar atormentado). O verbo latino pendere, de onde deriva a palavra nas línguas romanas, significa estar suspenso. Agostinho utiliza-o neste sentido para caracterizar o processo do conhecimento: “O desejo que já na procura procede de quem busca e permanece, de alguma maneira, suspenso (pendet quodammodo), até repousar na união com o objeto enfim encontrado.
Que coisa está suspensa, que coisa pende no pensamento? Pensar, na linguagem, não podemos, porque a linguagem é e não é a nossa voz. Eis uma pendência, uma questão não resolvida da linguagem: será nossa a voz? Por isto, ao falar, somos constrangidos a pensar e manter suspensas as palavras. O pensamento é a pendência da voz na linguagem.”
Que mundo estamos a suspender? Que lugar é esse? Qual é o espaço que estamos criando? Qual decisão deve ser tomada na escolha por um determinado jogo de linguagem e não outro? Que voz é essa?

(Heráclito diz que as idéias dos homens são) jogos de criança.


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